Reflexão do dia:

Reflexão da semana

"Ser de Candomblé não se limita ao fato de ter uma religião, é, sobretudo, um modo de vida".
Pai Lucas de Odé

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Aláfia, Ipadé, Ikawè, Imó!

Aláfia, Ipadé, Ikawè, Imó!
(Paz, reunião, leitura, sabedoria!)

Quatro palavras quase tão abrangentes quanto a religião dos Orixás. Além do aspecto “necessidade”, destaque-se o caráter raridade.

Pai Lucas e Mãe Zilá, do Ilè Dará, durante Sirè das Iyabá em 2010
Paz – Entendo por “paz” a capacidade de conduzir a vida e a religiosidade de forma harmônica. Contudo, tal feito não parece possível. Pertencer ao Candomblé não limita-se ao fato de ter uma religião. Ser omò Orisá é um modo de vida. É como um contrato. A benção dos Orixás, em troca da obrigação de seguir normas de conduta moral, idoneidade, dedicação – em tempo integral – e sentir-se inquieto a todo momento, quando sabe que alguém precisa de sua ajuda.

Todos os sacerdotes, ainda que dedicados, sentimo-nos impotentes diante de um problema que não nos é permitido resolver, ainda que saibamos exatamente como fazê-lo. A paz parece algo distante dos zeladores, havendo, porém, raras exceções. É como estar fadado a inquietar-se, a sentir-se ansioso, a querer ajudar a todos, ainda que nem saibam que existimos. Estamos fadados a termos que nos contentar com a melhor de todas as sensações de paz: a do dever cumprido. É essa sensação para a qual direciono meus atos, é essa a que todos sacerdotes deveríamos ambicionar.

Reunião – O primeiro pensamento a arrebatar a minha mente diante dessa palavra, é o início de uma festividade religiosa na religião dos Orixás. Depois da entrada dos membros, quando os atabaques param e uma voz ecoa no salão: Ogun ajò (…). Ajò, reunião, união, encontro. Um dos maiores fundamentos do Candomblé. Como é bom reunir pessoas para festejar, louvar, agradecer e comemorar. Não há cansaço, mal humor ou indiferença que suporte. Ao menos eu, sinto como se tivesse passado por um lava-a-jato e abandonado tudo que poluía meus pensamentos. Que poder fantástico tem a reunião. De pessoas, sentimentos e sensações, vontade e ação, tudo na mesma hora e lugar. Ipadé!

Leitura – Aprendi ao longo da minha curta e intensa caminhada, que existem inúmeras formas de ler. Mais expansivo do que a leitura são as coisas a serem lidas. Quantas coisas podemos ler ao nosso redor? Pessoalmente minhas obras favoritas são as pessoas. O ser humano. Li tantos livros que não sou capaz de enumerar, no entanto uma única personagem foi responsável por muito do que sou. Iyalorisá Zilá de Oya. A obra mais complexa, rica e mais fascinante que encontrei em toda vida. Uma obra que leio, compreendo, interpreto todos os dias e ainda esforço-me para compreendê-la em sua totalidade. Sinto-me agraciado por cultivar ao meu redor uma grande biblioteca de pessoas e poder servir de leitura para tantas outras. Somos responsáveis por mutações e mudamos a cada segundo, bombardeados pela gama de fatores sociais, econômicos, profissionais e espirituais que nos circundam.

Sabedoria – Inalcançável em sua plenitude. Um ideal a ser batalhado diariamente. Retalhos – de boa procedência - a serem costurados à colcha que encobre a vida sacerdotal e social. Saber não resume-se a ter conhecimento. Saber vai além. Saber aconselhar, saber compreender, saber calar-se, saber falar, saber pedir, saber conquistar, saber respeitar, saber agir, saber esperar, saber olhar e enxergar, saber ser, saber não ser, saber cultivar, saber viver, saber saber!

Pai Lucas de Odé 7/2/2011