Reflexão do dia:

Reflexão da semana

"Ser de Candomblé não se limita ao fato de ter uma religião, é, sobretudo, um modo de vida".
Pai Lucas de Odé

Itàn - Lendas

O banquete do Rei




Certa vez, um dos Obá que reinava na cidade de Oyó instruiu seu criado para ir ao mercado e encontrar a melhor de todas as comidas para ser servida em uma grande festa que estava sendo preparada.

O criado tomou o caminho e chegou ao local onde estavam sendo abatidos alguns bois. Examinou todas as partes do animal que lhe foram oferecidas e optou pela língua. Feita a compra retornou ao palácio.

Tão logo chegou, o Obá foi verificar o que seu criado havia escolhido como alimento principal para a sua festa. Surpreso com o que via, perguntou: "Por que você escolheu a língua, se existem coisas melhores para serem servidas? Eu pedi para você trazer o que havia de melhor."

O criado, então, respondeu: "Grande Obá, a língua é, a meu ver, a coisa mais importante do mundo. Não é verdade que com a língua um homem pode falar? Com sua língua ele pode instruir seus criados, aconselhar os filhos a viver uma vida saudável. Com a língua, um Obá comanda um reino e conclama seus exércitos para as batalhas. Com a língua, dois amigos dialogam, um babalaô comunica as mensagens de Ifá, o poeta recita versos, o conselheiro aconselha os governantes, e a mulher canta para o seu recém-nascido. De todas as comigas, a língua é, certamente, a mais notável."

O Obá ouviu tudo com atenção e pensou: "Esse criado é observador. O que ele diz é verdade. Mas vou testar sua sabedoria." Falou, então, para o criado: "De fato, acho que você tem toda razão. Mas agora eu preciso de mais alguma coisa. Volte ao mercado e traga para mim a pior de todas as comidas."

O criado ouviu aquilo, deixou o que tinha trazido na cozinha do palácio e, outra vez, tomou rumo em direção ao mercado. Lá comprou, novamente, uma outra língua e voltou. Procurou o Obá e fez a entrega daquilo que considerava a pior de todas as comidas.

O Obá, olhando para a língua que o criado trouxera, perguntou-lhe: "Por que você trouxe a língua novamente? Ela é a melhor de todas as comidas, isso eu já sei. O que eu quero é a pior de todas." O criado replicou: "Grande Obá de Oyó, a língua é tanto a melhor quanto a pior comida". O Obá continuou sem entender nada: "Agora, como pode ser a pior se também é a melhor?".

E o criado respondeu: "A língua é uma coisa boa, mas também é uma coisa ruim. Com a língua, um homem malicioso fala coisas nocivas, faz disse me disse e traz desgraça a uma comunidade. Com a sua língua, o criado pode desrespeitar a autoridade de seu senhor. E não é o patrão que usa sua língua para dizer palavras ásperas aos seus criados? Com sua língua a esposa desperta a discórdia e desfaz um lar. Um conselheiro usa a língua para dar conselhos ruins para um Obá. E o Obá, com sua língua, que ordena aos seus guerreiros que partam e encontrem a morte. E não é um executante que usa sua língua para ordenar a morte de uma pessoa? 
Sim, grande Obá, senhor e rei de toda Oyó, a língua é realmente a pior de todas as comidas".

O Obá tornou a refletir sobre o que tinha ouvido, não encontrando nada para recriminá-lo. Pelo contrário, levou em consideração o seu senso de observação e a inteligência com que o assunto havia sido encarado. E imediatamente, o Obá destituiu o seu criado da função que exercia e o nomeou chefe de uma comunidade próxima a cidade, a fim de que ele colocasse em prática toda a sabedoria que possuía.

Fonte: BENISTE, José. Mitos Yorubás: o outro lado do conhecimento - Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,2006.

Conclusão: Essa é uma narrativa que corre entre o povo Yorubá, servindo até como parábola, podendo muito bem ser aplicada a qualquer tipo de sociedade. Entre alguns, a figura do Obá, o rei, não é se não a de Obatalá e a do criado seria a de Orunmilá, que responde às perguntas com sabedoria que lhe é peculiar, mostrando seus conhecimentos sobre as coisas do mundo.
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Ossaim recusa-se a cortar as ervas miraculosas


Ossaim era o nome de um escravo que foi vendido a Orunmilá.
Um dia ele foi à floresta e lá conheceu Aroni,
que sabia tudo sobre as plantas.
Aroni, o gnomo de uma perna só, ficou amigo de Ossaim
e ensinou-lhe todo o segredo das ervas.
Um dia, Orunmilá, desejoso de fazer uma grande plantação, ordenou a Ossaim
que roçasse o mato de suas terras.
Diante de uma planta que curava dores,
Ossaim exclamava:
"Esta não pode ser cortada, é a planta que cura as dores".
Diante de uma planta que curava hemorragias, dizia:
"Esta estanca o sangue, não deve ser cortada".
Em frente a uma planta que curava a febre, dizia:
"Esta também não, porque refresca o corpo".
E assim por diante.
Orunmilá, que era um Babalaô muito procurado por doentes,
interessou-se então pelo poder curativo das plantas
e ordenou que Ossaim ficasse junto dele nos momentos de consulta,
que o ajudasse a curar os enfermos com o uso das ervas miraculosas.
E assim Ossaim ajudava Orunmilá a receitar
e acabou sendo conhecido como o grande médico que é.


Fonte: PRANDI, Reginaldo, Mitologia dos Orixás - São Paulo: Companhia das Letras,2001.


Comentário: O mito nos revela que Ossaim na verdade trata-se de um grande curandeiro. Apesar de Obaluaye ser o Orixá responsável pela peste e toda ordem de problemas de saúde, é Ossaim quem possui segredos para a cura.


No Candomblé o uso das folhas é vasto. Desde a composição do Abò, dos Amassi, até as folhas utilizadas na lavagem das insígnias rituais, entre outras aplicações, nós sacerdotes sempre temos que agir com a conformidade desse Orixá.


Por ser Ossaim o conhecedor e dono do segredo das ervas, procedemos em homenagem a ele o ritual de sassaim e também o chamado fesú, onde "prestamos contas" de todas as folhas utilizadas. Esse preceito começa desde o modo como se colhe a folha, ao pilá-la para a obtenção de seu sumo, ao tomar o banho e por todo o momento em que as folhas são empregadas.


Também é interessante a referência a Aroni. Poucos sacerdotes lembram-se dessa entidade. Muitos esteriotipam Ossaim como o "saci", mas na verdade é Aroni quem possui apenas uma perna. Existe uma cantiga, tocada no ritmo de bravum, executada no rum de Ossaim que se refere a essa condição física. Nessa ocasião Ossaim dança com uma das mãos "esfregando" uma das pernas.


Sobre tudo, o mito nos serve de conscientização para o modo como devemos "tratar" qualquer planta ou erva, já que trata-se de um recurso sagrado da religião dos Orixás. Vale lembrar a famosa frase yorubá: "ko sí èwè, ko sí òrisá - SEM FOLHA, NÃO HÁ ORIXÁ. A própria saudação de Ossaim prega: Ewè o! Ewè asá! - OH AS FOLHAS! A FOLHA É A TRADIÇÃO! (Atenciosamente, Pai Lucas de Odé)
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Logum Edé nasce de Oxum e Erinlé


Um dia Oxum Ipondá conheceu o caçador Erinlé
e por ele se apaixonou perdidamente.
Mas Erinlé não quis saber de Oxum.
Oxum não desistiu e procurou o Babalaô.
Ele disse que Erinlé só se sentia atraído
pelas mulheres da floresta, nunca pelas do rio.
Oxum pagou o Babalaô e arquitetou um plano:
embebeu seu corpo em mel e rolou pelo chão da mata.
Agora sim, disfarçada de mulher da mata,
procurou de novo seu amor.
Erinlé se apaixonou por ela no momento em que a viu.
Um dia, esquecendo-se das palavras do advinho,
Ipondá convidou Erinlé para um banho no rio.
Mas as águas lavaram o mel de seu corpo
e as folhas do disfarce se desprenderam.
Erinlé percebeu imediatamente como tinha sido enganado
e abandonou Oxum para sempre.
Foi-se embora sem olhar para trás.
Oxum estava grávida; deu à luz Logum Edé.
Logum Edé é metade Oxum, a metade rio,
e é metade Erinlé, a metade mato.
Suas metades nunca podem se encontrar
e ele habita num tempo o rio
e noutro tempo habita o mato.
Com ofá, arco e flecha que herdou do pai, ele caça.
No abebé, espelho que recebeu da mãe, ele se mira.


Fonte: PRANDI, Reginaldo, Mitologia dos Orixás - São Paulo: Companhia das Letras,2001.


Comentário: O mito acima foi coletado por Reginaldo Prandi, em pesquisa de campo, narrado por pai Doda Aguéssi Braga, Babalorisá do Ilê Axé Ossaim Darê, em São Paulo, no ano de 1989. É um mito bastante popular nos terreiros da Bahia e de São Paulo, onde Erinlé é substituído por Oxossi. Isso acontece porque na forma como cultuamos os Orixás no Brasil, entendemos que Erinlé é uma "qualidade" ou "marca" (como dizem na Bahia) de Oxóssi.


O mito serve ainda para explicar como o mel de abelhas tornou-se um tabu para Oxóssi, sendo substituído por mel de milho ou mesmo o melaço, nas oferendas dedicadas a ele, apesar de existirem outros mitos que também prestam essa informação.


Algumas casas de Candomblé entendem que, Erinlé, Inle e Ibualama sejam a mesma divindade; outras, no entanto, que consideram como entidades diferentes Erinlé e Ibualama, atribuem a este último a paternidade de Logum Edé. Mais uma vez espero ter contribuído! (Pai Lucas de Odé)


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Oxossi aprende com Ogum a arte da caça

Oxóssi é irmão de Ogum.
Ogum tem pelo irmão um afeto especial.
Num dia em que voltava da batalha,
Ogum encontrou o irmão temeroso e sem reação,
cercado de inimigos que já tinham destruído quase toda a aldeia
e que estavam prestes a atingir sua família e tomar suas terras.
Ogum vinha cansado de outra guerra,
mas ficou irado e sedento de vingança.
Procurou dentro de sí mais forças para continuar lutando
e partiu na direção dos inimigos.
Com sua espada de ferro pelejou até o amanhecer.
Quando por fim venceu os invasores,
sentou-se com o irmão e o tranquilizou com sua proteção.
Sempre que houvesse necessidade
ele iria até seu encontro para auxiliá-lo.
Ogum então ensinou Oxóssi a caçar,
a abrir caminhos pela floresta e matas cerradas.
Oxóssi aprendeu com o irmão a nobre arte da caça,
sem a qual a vida é muito mais difícil.
Ogum ensinou Oxóssi a defender-se por sí próprio
e ensinou Oxóssi a cuidar da sua gente.
Agora Ogum podia voltar tranquilo para a guerra.
Ogum fez de Oxóssi o provedor.
Oxóssi é irmão de Ogum.
Ogum é o grande guerreiro.
Oxóssi é o grande caçador.


Fonte: PRANDI, Reginaldo, Mitologia dos Orixás - São Paulo: Companhia das Letras,2001.


Comentários: Bem como citamos no mito já publicado neste blog, “Ogum dá aos homens o segredo do ferro”, este mito revela que foi Ogum quem transmitiu a Oxóssi o aprendizado da arte da caça, por isso dizemos a Ogum: “akan bi Odé”, o primeiro caçador. Veja abaixo o mito de Ogum: (Pai Lucas de Odé)

O Itàn revela que mesmo entre os Orixás há irmandade e cumplicidade. Isso nos serve de lição, pois os homens insistem de forma errônea em disputar conhecimento e poder. O mito nos mostra que devemos aprender uns com os outros, ao invés de competir. (Mãe Zilá de Oyá)

Podemos entender ainda que, mesmo quando estamos cansados, como Ogum no retorno de uma batalha, devemos buscar dentro de nós a força interior e sempre lutar por aqueles a quem temos afeto, bem como por nossa casa e família. (Milena ti Osòguián)


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Ogum dá aos homens o segredo do ferro


Na terra criada por Obatalá, em Ifé,
os orixás e os seres humanos trabalhavam e viviam em igualdade.
Todos caçavam e plantavam usando frágeis instrumentos
feitos de madeira, pedra ou metal mole.
Por isso o trabalho exigia grande esforço.
Com o aumento da população em Ifé, a comida andava escassa.
Era necessário plantar uma área maior.
Os orixás então se reuniram para decidir como fariam
para remover as árvores do terreno e aumentar a área da lavoura.
Ossaim, o orixá da medicina, dispôs-se a ir primeiro
e limpar o terreno.
Mas seu facão era de metal mole e ele não foi bem sucedido.
Do mesmo modo que Ossain,
todos os outros orixás tentaram,
um por um, e fracassaram
na tarefa de limpar o terreno para o plantio.
Ogum, que conhecia o segredo do ferro, não tinha dito nada até então.
Quando todos os outros orixás tinham fracassado,
Ogum pegou seu facão, de ferro, foi até a mata e limpou o terreno.
Os orixás, admirados, perguntaram a Ogum de que material
era feito tão resistente facão.
Ogum respondeu que era o ferro,
um segredo recebido de Orunmilá.
Os orixás invejavam Ogum pelos benefícios que o ferro trazia,
não só à agricultura, como à caça e até mesmo à guerra.
Por muito tempo os orixás importunaram Ogum
para saber do segredo do ferro,
mas ele mantinha o segredo só para sí.
Os orixás decidiram então oferecer-lhe o reinado
em troca de que ele lhes ensinasse
tudo sobre aquele metal tão resistente.
Ogum aceitou a proposta.
Os humanos também vieram a Ogum
pedir-lhe o conhecimento do ferro.
E Ogum lhes deu o conhecimento da forja,
até o dia em que todo caçador e todo guerreiro
tiverem sua lança de ferro.
Mas, apesar de Ogum ter aceitado o comando dos orixás,
antes de mais nada ele era um caçador.
Certa ocasião, saiu para caçar e passou muitos dias fora
numa difícil temporada.
Quando voltou da mata, estava sujo e maltrapilho.
Os orixás não gostaram de ver seu líder naquele estado.
Eles o desprezaram e decidiram destituí-lo do reinado.
Ogum se decepcionou com os orixás,
pois quando precisaram dele para o segredo da forja,
eles o fizeram rei
e agora diziam que não era digno de governá-los.
Então Ogum banhou-se,
vestiu-se com folhas de palmeira desfiadas,
pegou suas armas e partiu.
Num lugar distante chamaro Irê, construiu uma casa
embaixo da árvore de akokô e lá permaneceu.
Os humanos que receberam de Ogum o segredo do ferro
não o esqueceram.
Todo mês de dezembro, celebram a festa de Iudê-Ogum.
Caçadores, guerreiros, ferreiros e muitos outros
fazem sacrifícios em memória de Ogum.
Ogum é o senhor do ferro para sempre.


Fonte: PRANDI, Reginaldo, Mitologia dos Orixás - São Paulo: Companhia das Letras,2001.


Comentário: Esse mito nos oferece várias possibilidades de fazer alusão ao que praticamos no cotidiano de nossas casas de candomblé. Conforme o mito narra, Ogum antes de tudo era caçador. Isso me remete a uma expressão freqüente, com a qual saudamos Ogum. Entre tantas outras dizemos a Ogum "AKÀN BI ODÉ", o que significa "o primeiro caçador".


Existem outros mitos que narram que foi Ogum quem transmitiu a Oxossi/Odé os segredos da prática da caça, o que reforça outra vez o uso da expressão.


Literalmente, no idioma Yorubá, akàn significa caranguejo, mas é uma palavra utilizada no yorubá para significar "bom",assim como "peixe" é usada para designar "mau". Ex: "eja mbi akàn?" - isto é bom ou mau? "Akàn ni" =  isto é bom.


Akàn também refere-se a um ornamento (dragona) usado nos ombros pelos oficiais. Já Akán, significa ligeireza, elegância, atividade.


Quanto a parte do mito que diz que Ogum refugiou-se para debaixo da árvore de akoko e vestiu-se de folhas de palmeira desfiadas, primeiramente, na África (em Irê), os assentamentos de Ogum são depositados debaixo da mesma árvore, sendo o akoko uma folha de Ogum e Ossaim.


Quanto as folhas de palmeira desfiada, o mariwò - muito usada nas casas de candomblé -, diversas cantigas de rum de Ogum, principalmente as tocadas em OGÈLÈ (ritmo da Sassain) fazem referência ao fato de Ogum se vestir de mariwò.


Sobretudo, o mito ainda transmite a nós um alerta quanto a decepções que nós sacerdotes sofremos, depois de ajudar aqueles que, por ventura, nos procuram, são atendidos e depois "esquecem" da ajuda prestada. Todo mito, além de explicar ou justificar atos, traz intrínseco uma lição para nós.


Essas são as minhas interpretações do mito acima, baseada no conhecimento que me foi transmitido ao longo de minha vida sacerdotal. Espero que nossos amigos e irmãos colaborem também. Espero, mais uma vez, ter sido útil. Atenciosamente, Pai Lucas de Odé.
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Exú ganha o poder sobre as encruzilhadas


Exú não tinha riqueza, não tinha fazenda, não tinha rio,
não tinha profissão, nem artes, nem missão.
Exú vagabundeava pelo mundo sem paradeiro.
Então um dia, Exú passou a ir à casa de Oxalá.
Ia à casa de Oxalá todos os dias.
Na casa de Oxalá, Exú se distraía,
vendo o velho fabricando os seres humanos.
Muitos e muitos também vinham visitar Oxalá,
mas ali ficavam pouco,
quatro dias, oito dias e nada aprendiam.
Traziam oferendas, viam o velho Orixá,
apreciavam sua obra e partiam.
Exú ficou na casa de Oxalá dezesseis anos.
Exú prestava muita atenção na modelagem
e aprendeu como Oxalá fabricava
as mãos, os pés, a boca, os olhos, o pênis dos homens,
as mãos, os pés, a boca, os olhos, a vagina das mulheres.
Durante dezesseis anos ali ficou ajudando o velho Orixá.
Exú não perguntava.
Exú observava.
Exú prestava atenção.
Exú aprendeu tudo
Um dia Oxalá disse a Exú para ir postar-se na encruzilhada
por onde passavam os que vinham à sua casa.
Para ficar ali e não deixar passar quem não trouxesse
uma oferenda para Oxalá.
Cada vez mais havia mais humanos para Oxalá fazer.
Oxalá não queria perder tempo
recolhendo os presentes que todos ofereciam.
Oxalá nem tinha tempo para as visitas.
Exú tinha aprendido tudo e agora podia ajudar Oxalá.
Exú coletava os ebós para Oxalá.
Exú recebia as oferendas e as entregava a Oxalá.
Exú fazia bem o seu trabalho
e Oxalá decidiu recompensá-lo.
Assim, quem viesse à casa de Oxalá
teria que pagar também alguma coisa a Exú.
Quem estivesse voltando da casa de Oxalá
também pagaria alguma coisa a Exú.
Exú mantinha-se sempre a postos
guardando a casa de Oxalá.
Armado de um ogó , poderoso porrete,
afastava os indesejáveis
e punia quem tentasse burlar sua vigilância.
Exú trabalhava demais e fez ali sua casa,
ali na encruzilhada.
Ganhou uma rendosa profissão, ganhou seu lugar, sua casa.
Exú ficou rico e poderoso.
Ninguém pode mais passar pela encruzilhada
sem pagar alguma coisa a Exú.


Fonte: PRANDI, Reginaldo, Mitologia dos Orixás - São Paulo: Companhia das Letras,2001.


Comentário: Na própria obra Prandi faz comentários sobre o Itàn citado. Assim que o li captei a mensagem transmitida. O aprendizado iniciático no candomblé ocorre de forma lenta e gradual. Essa é uma das máximas do candomblé. Sempre disse aos meus filhos, "Candomblé se aprende com olhos e ouvidos". Isso deve-se ao fato de nossa religião ser transmitida oralmente, ou seja, de não haver uma "coletânea" de todos os rituais presentes em nossa religião.


Prandi enfatiza ainda o fato de o número 16 transmitir a idéia de perfeição para o povo Yorubá. Vale ressaltar que no culto de Ifá, o 16 é o número indicativo do Odú Aláfia, na ordem de resposta do jogo de búzios, por Oseturá. Para nós candomblessistas, Aláfia é indicativo de confirmação, pleno êxito, contentamento, felicidade e lucros.


O Itàn acima faz referência também ao Orixá Exú no sentido de que é sempre o primeiro a receber suas oferendas nos rituais de candomblé. No candomblé costumamos dizer que Exú é Òjisé, aquele que conduz as  nossas mensagens e pedidos. No idioma Yorubá, a palavra Òjisé significa literalmente "mensageiro, criado".
(Essas são as minhas percepções sobre o mito acima, espero ter colaborado, Pai Lucas de Odé).
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Oiá recebe o nome de Iansã, mãe dos nove filhos


Oiá desejava ter filhos, mas não podia conceber.
Oiá foi consultar um babalaô e ele mandou que ela fizesse um ebó.
Ela deveria oferecer um carneiro, um Agutã,
Muitos búzios e muitas roupas coloridas.
Oiá fez o sacrifício e teve nove filhos.
Quando ela passava, indo em direção ao mercado,
O povo dizia: "Lá vai Iansã. Lá ia Iansã, que quer dizer
Mãe nove vezes.
E lá ia ela orgulhosa ao mercado vender azeite de dendê.
Oiá não podia ter filhos,
Mas teve nove, depois de sacrificar um carneiro.
Em sinal de respeito, por ter seu pedido atendido,
Iansã, a mãe dos nove filhos, nunca mais comeu carneiro.


Fonte: PRANDI, Reginaldo, Mitologia dos Orixás - São Paulo: Companhia das Letras,2001.


Comentário: Outros autores publicaram em suas obras a frase "iyá mèsán òrun", referindo-se ao fato. Literalmente, "a mãe dividida em nove". Essa expressão é uma das frases com a qual saudamos essa santa. O agutã, bem como qualquer derivado desse animal, é uma quizila (proibição) atribuída a todas as filhas de Oyá. O itàn é uma forma de explicar ou justificar tal proibição. Existem outras variantes desta lenda, no entanto todas referem-se a proibição por parte da Oyá e suas filhas de comer o carneiro. (Pai Lucas de Odé)
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