Reflexão do dia:

Reflexão da semana

"Ser de Candomblé não se limita ao fato de ter uma religião, é, sobretudo, um modo de vida".
Pai Lucas de Odé

domingo, 31 de janeiro de 2016

Presentes ecológicos celebram Iemanjá

Foto: Péricles Palmeira
Dois presentes, neste final de semana, antecipam as homenagens realizadas no dia 2 de fevereiro para a Rainha do Mar. Além do propósito de agradar à divindade, ambos trazem no nome da oferenda o cuidado com o meio ambiente.

Iniciativas como estas têm sido alvo de debates mais constantes, após a publicação do artigo Presença, sim! Presente, não!, em dezembro de 2015 em A TARDE, da ialorixá do Ilê Axé Opô Afonjá, Mãe Stella de Oxóssi.

No texto, ela revelou que, a partir deste ano, o terreiro não irá colocar presentes no mar em homenagem a Iemanjá. A orientação da líder espiritual é que sejam oferecidos cânticos à divindade protetora da cabeça, Iemanjá do povo ketu, Mamento Dadá, Dandalunda ou Kayala, correspondente nas nações da família bantu.

A amplitude da festa em homenagem à Rainha do Mar, realizada no Rio Vermelho, foi a motivação da recomendação de Mãe Stella.

A 3ª edição do presente ecológico para Iemanjá aconteceu neste sábado (30), organizada  pelo coletivo de grafite Nova 10 Ordem, que atua na comunidade Solar do Unhão (Gamboa de Baixo) com o projeto Museu Street Art Salvador (Musas).

"Fizemos a escultura de uma sereia negra e, após conversar com moradores, resolvemos sacralizar a peça por conta da relação que a comunidade tem com ela, por ser próxima ao mar", contou Julio Costa, integrante do Musas.

A concentração teve início às 9h, na sede do Musas, quando ocorre, além do café da manhã, os últimos preparativos das oferendas que serão entregues no mar.

Por volta das 11h, religiosos do candomblé, integrantes do Musas e moradores saem em cortejo, embalados pelo afoxé Filhas de Gandhy, percorrem as ruas do local e seguem até a embarcação que levará os presentes.

Todas as comidas votivas de Iemanjá e para Oxum são embaladas em folhas de bananeira, mantendo a relação essencial de respeito entre as religiões de matriz africana e a natureza.

"Não usamos recipientes. Até os balaios voltam com a gente. No mar, só ficam as comidas, o líquido dos perfumes e as flores. Não usamos sabonete, espelho e qualquer outro material que se transforme em poluente", disse a equede Noélia Pires, do Terreiro Omi Tolá, responsável pela preparação espiritual do presente. Na volta do mar, uma feijoada encerra o ritual religioso.

Culto semelhante ocorre, domingo, 31, no bairro do Rio Vermelho. Na 10ª edição, a campanha Iemanjá Protege Quem Protege o Mar será realizada pelo  Grupo Nzinga de Capoeira Angola.
Os preparativos começam neste sábado, no terreiro Mutá Lambô ye Kaiongo, liderado pelo tata de inquice Mutá Imê. No domingo, às 19h, os integrantes do Nzinga saem para a entrega dos presentes.

Dique
A primeira homenageada é Kissimbi (divindade corresponde a Oxum da tradição Ketu), que tem  ritual realizado no Dique do Tororó. Em seguida, já no Rio Vermelho, é a vez de Dandalunda (correspondente a Iemanjá da tradição Ketu).

A orientação é que as pessoas escolham presentes de materiais biodegradáveis, como flores, frutas, fibras vegetais e papel. "O ideal é levar objetos como bonecas de pano, colares e brincos de conchas, barquinhos de papel, além dos bilhetes com pedidos", explicou Paula Barreto, uma das coordenadoras Nzinga.
"O candomblé já tem essa preocupação de não agredir a natureza que é a essência da religião. Colocamos as comidas rituais e materiais biodegradáveis", contou o tata de inquice Mutá Imê.

A ação intensificada por divulgação em redes sociais e palestras na sede da associação tem dado resultado. "Tem crescido a participação ao longo dos anos. As pessoas lotam a sede e acompanham os presentes", contou o sacerdote.

Reportagem de Meire Oliveira, do jornal A Tarde

sábado, 30 de janeiro de 2016

Mais um centro espírita é incendiado em Brasília



Divulgação/PM
Mais um centro foi atingido por um incêndio na madrugada desta sexta-feira (29), no Distrito Federal. Dessa vez, na área residencial de Sobradinho II.  Vizinhos acionaram o Corpo de Bombeiros por volta das 3h e tentaram apagar o fogo por conta própria, mas a estrutura ficou bastante danificada. A suspeita é de que o incêndio seja criminoso. Este é o quinto caso de incêndio em centros espíritas e terreiros de Candomblé do Distrito Federal.

O centro existe no local desde a década de 1970. O filho do fundador e assistente social Guilherme Varandas, sustenta a tese de o ato foi criminoso. "Os indícios são o arrombamento, segundo os bombeiros, na janela principal, e o único lugar onde poderia haver essa combustão foi a sala de costura", diz.

Varandas diz que o espaço já foi alvo de outros ataques. Até o fim da madrugada, ele ainda não conseguia estimar o prejuízo. "O trabalho social foi todo queimado, todas as máquinas, uma tristeza. A gente fica com o coração apertado porque denota intolerância religiosa. Nós vamos aguardar a perícia e fazer ocorrência do arrombamento, porque não é a primeira vez."

Destruição
As chamas destruíram todas as janelas do centro espírita, que fica na chácara 14 do Núcleo Rural II. O forro do teto derreteu, e móveis e objetos foram perdidos. O Corpo de Bombeiros afirma que o combate ao incêndio levou cerca de 10 minutos.

"[Danificou] praticamente a estrutura da casa. Internamente, tudo foi danificado, perdeu. No forro, o PVC todo derreteu devido à grande incidência da temperatura interna, e um cômodo foi totalmente destruído", enumerou o sargento do Corpo de Bombeiros Salomão Leite, que ajudou no controle do fogo.

As marcas também eram visíveis nas paredes e janelas da casa ao lado. No momento do incêndio, 12 pessoas dormiam nos imóveis vizinhos, incluindo crianças. As famílias acordaram com o calor e o barulho, e conseguiram sair do local a tempo.

"As telhas começaram a estourar, e o fogo começou a aumentar, e a gente ficou em desespero ligando pro bombeiro. Graças a Deus, eles não demoraram muito a chegar", diz a copeira Tamires de Lima, que mora na chácara ao lado.

Delegacia
No último dia 21, o governador Rodrigo Rollemberg sancionou o decreto que cria uma delegacia especializada para combater casos de intolerância religiosa. A delegacia foi proposta depois que quatro terreiros de candomblé foram incediados no Distrito Federal e no Entorno nos últimos meses.

Nesta sexta, nove dias após a assinatura do texto, a Delegacia Especial de Repressão aos crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou por Orientação Sexual ou contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência ainda não começou a funcionar. Por isso, o caso deve ser investigado pela 31ª DP (Sobradinho).

A reportagem é do G1/DF

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Fundamentalismo religioso é distúrbio mental, diz cientista

Kathleen Taylor defende que haja tratamento para o fanatismo
A neurocientista Kathleen Taylor (foto), da Universidade de Oxford, Inglaterra, defende a tese de que o fundamentalismo religioso é um transtorno mental e como tal deve ser tratado.

“Pessoas de certas crenças precisam de tratamento”, disse ela em entrevista.

Para a sociedade, afirmou, isso seria muito positivo, “porque não há dúvida de que algumas crenças causam um monte de danos”.

Kathleen afirmou que não estava se referindo apenas aos “candidatos a tratamento mais óbvios, como os islâmicos radicais", mas também a pessoas cujas crenças consideram, por exemplo, aceitável que pais batam nos filhos.

Para a neurocientista, um dos fatores desencadeador do fundamentalismo religioso como transtorno mental é a lavagem cerebral, sobre a qual ela publicou um livro em 2006.

Ela disse que, como se verifica em religiões e grupos terroristas com al Qaeda, a lavagem celebrar é um instrumento poderoso para causar distúrbio em uma mente sadia.

Disse que o “fenômeno de persuasão é muito amplo, um forte tipo de tortura psicológica coercitiva”, porque leva as pessoas a pensarem coisas que não são boas para elas.

Ela escreveu um artigo no The Huffington Post afirmando que a “supremacia do cérebro oferece chances para melhorar a dignidade humana”, mas a sua manipulação por fanáticos representa um grande risco para o qual a sociedade de estar atenta.


Fonte: The Huffington Post, publicado originalmente em Paulopes.com.br

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

É LEI: Projeto Alma Africana leva cultura afro para escola

Foto: Eugênio Barreto
Por Pai Lucas de Odé


Desde 2003, uma Lei Federal,  que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, obriga que a temática "História e Cultura Afro-Brasileira" seja incluída no currículo oficial da Rede de Ensino do País (Lei 10.639/2003). Em 2008, a Lei 11.645/2008 determinou também que a cultura indígena fosse acrescentada aos estudos. É lei, está nos livros didáticos, mas uma escola do Sergipe foi além.

Desde a última segunda-feira (25), até o dia 29 de janeiro, o Colégio Estadual John Kennedy, de Sergipe, promove atividades voltadas para a luta contra a discriminação racial, a intolerância religiosa e em favor da diversidade cultural. As atividades fazem parte do projeto Alma Africana e se articulam com as determinações legais expressas pelas leis 10.639/2003 e 5.497/2008 (Estadual) e 11.645/2008.

A programação iniciou ontem com uma exposição de banneres em homenagem aos orixás, apresentações musicais, além de recital de poesias e homenagens a personalidades negras.

“Começamos as pesquisas no dia 11 de janeiro, com a divisão de tarefas e apresentação de bibliografia para os alunos. Geramos um tema que foi ‘Negritude’, uma questão de retificação histórica e justiça social, que propagou subtemas. Cada grupo de alunos ficou responsável por uma atividade”, explicou o pedagogo Evanilson Tavares de França, idealizador do projeto.

Diversidade africana

No pátio da unidade escolar foram dispostos em colunas os banneres explicando cada orixá. Em um dos estandes, máscaras foram confeccionadas para identificar as tribos africanas. Numa tenda montada também na área externa foram lembradas as religiões de matrizes africanas através de exposições de fotos e gravuras de cultos e danças.

Personalidades do movimento negro de Sergipe, a exemplo de Severo D’Acelino, João Mulungu, do poeta Cruz e Souza e Solano Trindade, foram lembrados também em banneres.

Até o final do evento haverá uma vasta programação de apresentações culturais, palestras e intercâmbio cultural. No dia 30 de janeiro um grupo de alunos finalizará as atividades com uma visita à cidade de Palmares (AL).

“São trabalhos realizados pelos alunos com orientação de um professor-padrinho, além dos resultados de uma visita técnica feita às comunidades quilombolas”, afirmou Lícia Santana, diretora da escola.

Pesquisas e aprendizado

Confeccionando bonecos em homenagem aos orixás, Larissa Vitor da Silva,  aluna do 8º ano A, ressaltou a importância das pesquisas para a compreensão das religiões de matriz africana. “Aprendi que cada orixá tem um perfil, um dia de culto, uma cor. Por exemplo, Oxossi é verde e azul”, disse.

Dayse Andrade, aluna da 1º ano A, pesquisou o candomblé e a umbanda. Para ela, o que chamou atenção foi compreender que a umbanda tem um pouco de todas as outras religiões. “Tem um pouco do catolicismo, do espírita. Abrange tudo”, destacou.

Já Roberto Alves Teles, aluno do 2º A,  ficou responsável pela pesquisa e confecção de máscaras africanas. Ele lembrou que uma das tribos, a Ogum, que viveu no Egito, sofreu perseguição religiosa, e hoje alguns de seus descendentes vivem na região do Mali. “As máscaras diferenciam-se de acordo com as tribos”, afirmou.

Com informações da Secretaria de Estado de Educação de Sergipe

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Lugares de Axé: Projeto faz inventário dos terreiros de Curitiba e região

Por Pai Lucas de Odé, com informações da Gazeta do Povo
Praça Tiradentes - Foto: Flavio Rocha

Um projeto fantástico oferece um prato cheio para quem quiser conhecer melhor a história da identidade afro-brasileira das religiões de matriz africana e seus locais da expressão em Curitiba. A exposição do projeto Lugares de Axé: inventário dos terreiros de candomblé de Curitiba e região metropolitana está disponível no site do projeto, lançado na última sexta-feira (22/1), no Memorial de Curitiba.

A pesquisa fez um mapeamento referente aos espaços onde são realizadas as práticas religiosas afro-brasileiras na cidade de Curitiba (PR). A iniciativas são realizadas em parceria com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a partir de experiências de identificação e salvaguarda desenvolvidas com terreiros das cidades de Salvador (BA), Belo Horizonte e Porto Alegre (RS) e conta com textos, fotos e vídeos.

Praça Tiradentes

Na ocasião, com a presença de representantes das casas inventariadas, foi entregue ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) o pedido de registro dos Irôkos da Praça Tiradentes como patrimônio imaterial brasileiro que, caso aceito, entrará em processo para inscrição no Livro de Lugares, sendo inserido nas políticas de salvaguarda desenvolvidas pela instituição.

sábado, 23 de janeiro de 2016

Para quem tolera, acarajé!

Por Pai Lucas de Odé

Apesar dos esforços de alguns grupos intolerantes, o Acarajé - comida ritualística do Candomblé, amplamente difundida e apreciada pelas comunidades de matriz africana de todo o País - tem sua identidade protegida.

Fotos Públicas/El País
Patrimônio cultural imaterial do país desde 2005, graças ao tombamento do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em seu Livro dos Saberes, essa iguaria transcendeu as fronteiras dos terreiros para literalmente alimentar a cultura afrodescendente.

Como seria possível desvencilhar o Acarajé da cultura religiosa do Candomblé se até o seu nome vem da África? Acarajé, como o chamamos, é um nome derivado do idioma Iorubá, onde "Acará" significa "bola de fogo" e "Jé" vem de "unjé", do verbo comer, logo "bola de fogo de comer", obviamente associado à temperatura e ao tempero apimentado com que é servido.

No Candomblé, o Acarajé é a comida ritualística favorita de Oyá/Iansã, Orixá dos ventos e tempestades, aquela que pegou de Xangô o segredo do fogo. Mas se você nunca comeu um Acarajé, não se preocupe. Basta ir a um terreiro de Candomblé na festividade de Iansã e lá estará ele, rodando o salão nas mãos de Oyá para ser entregue à comunidade.

Eparrey!

Por Camila Moraes/El País - SP

Eloi Correa/Site Bahia tem Dendê
Neste 21 de janeiro, Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, o que você vai comer: um acarajé ou um bolinho de Jesus? É bom ir avisando: estamos falando daquele bolinho de feijão fradinho temperado com cebola e pimenta, frito em óleo de dendê, muito popular no Brasil, sobretudo na Bahia, onde nasceu das oferendas às divindades (orixás) do candomblé – religião brasileira de matriz africana em que dança, música e comida são o tripé da prática espiritual.

Nos terreiros, preparado pelas tias baianas, ele sempre atendeu pelo nome de acarajé, mas de uns anos para cá alguns grupos de evangélicos tentam rebatizar a iguaria de bolinho de Jesus. O nome pode soar engraçado, mas ecoa pouca ou nenhuma tolerância com as práticas religiosas do candomblé. Como se justifica, então, o novo batismo, em um país que preza sua diversidade religiosa e cultural?

“Não se justifica, mas tem raiz nas baianas do acarajé que mudaram de religião. Saíram do candomblé, onde essa comida é sagrada e ritual, e se tornaram evangélicas, mas não queriam deixar de vender o acarajé, porque tiram daí o seu sustento”, explica Rita Santos, coordenadora da Associação Nacional das Baianas de Acarajé e Mingau (ABAM). Os pastores de algumas igrejas exigiram dessas mulheres que elas abandonassem as roupas típicas de baiana, próprias a quem é do candomblé e ligadas à prática dessa religião, e que mudassem o nome do produto que comercializavam. Isso, apesar de que o ofício das baianas – considerado uma das profissões femininas mais antigas do país – entrou para o patrimônio cultural imaterial do país em 2005, graças ao tombamento do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em seu Livro dos Saberes. E a despeito delas – mais de 5.200 cadastradas em uma recém-lançada plataforma digital – terem seu Dia Nacional da Baiana de Acarajé, todo 25 de novembro.

O tema não é novo, porém é quente. Há pouco mais de um mês, a Prefeitura de Salvador baixou um novo decreto municipal regulando a atividade, que diz que para vender acarajé em logradouro público é preciso estar de bata, de saia e de torço. O esforço para isso surgiu da ABAM e também foi adotado no Rio de Janeiro (o segundo estado do país com mais baianas tradicionais, onde, inclusive, o ofício delas é patrimônio imaterial estadual), no interior de São Paulo, em Hortolândia, e em outras cidades do país. “A gente espera que, com isso, as pessoas não usem o nome bolinho de Jesus, o que é um desrespeito para quem é da religião [candomblé]”, explica Rita, que além de coordenar as atividades da ABAM, vende acarajé com seus trajes típicos e seu tabuleiro no Memorial das Baianas, que fica no Pelourinho, em Salvador.

Se os evangélicos mais radicais exigem que se abandone os símbolos do candomblé na hora de se vender os pratos típicos, o contrário não necessariamente é verdade. Da diretoria da ABAM, conta sua coordenadora, faz parte uma companheira evangélica que veste de baiana do acarajé durante seu horário de trabalho no tabuleiro. “Não tem problema algum. Basta respeitar”. Para conquistar esse respeito e “para preservar nossa cultura”, é que a associação se esforça para que cidades como São Paulo adotem a regra da indumentária obrigatória. “São Paulo tem decreto até para a venda de cachorro quente, mas não quer regulamentar a atividade das baianas”, diz Rita, que afirma ter entregado o texto do decreto de Salvador ao secretário municipal dos Direitos Humanos Eduardo Suplicy, na capital, à deputada estadual Leci Brandão e a outros políticos do estado. Seu pedido mais recente de análise está nas mãos da Secretaria Municipal da Reparação.

Para Nega Duda, baiana que cultua as tradições da Bahia em São Paulo, cozinhando pratos típicos e organizando desde 2008 um samba de roda à moda do Recôncavo Baiano, “não faz sentido pegar algo que já existe e mudar só porque você é de outra religião”. Duda é uma das coordenadoras do ato que acontece nesta quinta-feira na Avenida Paulista contra a intolerância religiosa e racial a partir das 19h, com concentração sob o vão do MASP. Duda, que acredita que as recentes agressões a crença das religiões de matriz africana é um fenômeno nacional, “que extrapolou a Bahia, está em Brasília, em São Paulo, no país inteiro”. “Lutar contra isso é um trabalho de formiga. Caminhamos dez passos para dar 20 passos para trás. Mas não podemos deixar de lutar, nunca. Temos que usar as redes sociais para denunciar todo tipo de agressão: a mim, a você, ao vizinho”, convoca.

Outra forma efetiva de resistência de terreiros de candomblé e associações de baianas do acarajé, segundo Rita Santos, tem sido sua auto-declaração como Pontos de Cultura. Os Pontos de Cultura fazem parte da política pública do Governo federal que garante que coletivos culturais, sem fins lucrativos e com ação comunitária sejam certificados pelo Ministério da Cultura como entidade que preserva e difunde o patrimônio cultural nacional. “Quando um terreiro vira Ponto de Cultura, parece que as pessoas pensam duas vezes antes de fazer alguma coisa contra ele. Não deveria ser assim, porque o respeito vem antes disso, mas é uma maneira da gente se proteger”, declara.

Junto com essa chancela que ajuda a preservar os terreiros, as baianas tradicionais celebram também a criação de um portal recém-lançado pelo Governo do Estado da Bahia para difundir seus saberes, o Bahia tem dendê. E continuam fazendo suas oferendas à orixá Oyá, ou Iansã, preparando sua comida preferida: àkàrà (bola de fogo, no idioma africano yorubá), o vulgo e saboroso (para os que toleram) acarajé.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Imunidade e isenção de IPTU aos templos religiosos: É um direito nosso!

Por Pai Lucas de Odé*

Foto: Arisson Marinho/Jornal Correio
O prefeito de Salvador - BA, ACM Neto, assinou ontem (21/1) - Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa -  decreto que isenta terreiros de Candomblé do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU), além da remissão de dívidas tributárias. A partir desta data, os cerca de 300 terreiros cadastrados na Secretaria Municipal de Reparação (Semur) não serão mais cobrados pelo imposto.

Apesar de louvável, a atitude do prefeito de Salvador não seria necessária, fosse respeitada a Constituição Federal, livro magno do País, que em seu artigo 150 - que trata das limitações do Poder Público tributar - garante IMUNIDADE a templos de qualquer culto, conforme preceitua o inciso V do referido artigo. Isso quer dizer que, municípios, estados e a União não podem instituir impostos sobre templos religiosos.

Nesse contexto, considerando que a imunidade não é aplicada na maioria das cidades do País, a ISENÇÃO é uma prerrogativa do ente municipal. Para não haver confusão entre a imunidade tributária e a isenção, é necessário diferenciar os dois institutos:

Define-se isenção tributária como uma forma de dispensa do pagamento do tributo instituído por determinado ente. O professor Carraza (2007, p. 826) em seu livro curso de direito constitucional tributário afirma:

“De fato, a aptidão para tributar alberga também a faculdade de isentar, conseqüência lógica daquela. Quem cria tributos pode, por igual modo, aumentar a carga tributária (agravando a alíquota ou a base de cálculo da exação), diminuí-la (adotando o procedimento inverso) ou, até, suprimi-la, por intermédio da não-tributação pura e simples. Pode, ainda, isentar tributos. Tudo vai depender de uma decisão política, a ser tomada, de regra (há exceções), pela própria entidade tributante”.

A primeira diferença é que a imunidade tributária é estabelecida em sede constitucional, já a isenção advém de norma infraconstitucional, ou seja, depende exclusivamente da vontade política do prefeito, como no caso de Salvador, onde a isenção foi assegurada por meio de decreto.

De acordo com o secretário Paulo Souto, titular da Secretaria Municipal da Fazenda de Salvador (Sefaz), a isenção do imposto não está relacionada a questões jurídicas, mas de igualdade. “Não foi o problema de renúncia de receita. É uma medida de igualdade. O objeto é fazer com que os terreiros, a exemplo de outros templos religiosos, também possam ter essa isenção”, disse o secretário. A prefeitura não calculou a quantia que deixará de ser arrecadada com a isenção do tributo.

Segundo a titular da pasta de Reparação de Salvador, secretária Ivete Sacramento, o número de terreiros na capital baiana já chega a 1.680. A estimativa da prefeitura é de que todos sejam cadastrados de forma gradativa e deixem de pagar o tributo.

Dirigentes de terreiros podem procurar as secretarias de receita de seus municípios, portanto comprovante de residência, documentos pessoais, escritura de compra e venda do terreno ou alguma documentação que comprove a aquisição do espaço e reivindicar o direito constitucional. A partir daí, talvez seja necessária uma mobilização para ter a imunidade assegurada.

É direito nosso!

Com informações do Jornal Correio, da Bahia.

*Pai Lucas é jornalista e Babalorixá, dirigente do Ilê Iyeiyeo Axé Dambá Odé, em São Bernardo do Campo - SP

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Intolerância Religiosa: Estamos seguros?

Por Pai Lucas de Odé*, com informações da BBC e do portal JusBrasil

Em 2007, por força de Lei (11.635), foi instituído o dia 21 de janeiro como data de combate à intolerância religiosa. Infelizmente, a data só existe porque diariamente centenas de praticantes de religiões de matriz africana são bombardeados com atos de intolerância religiosa.

Dados compilados pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio de Janeiro (CCIR), divulgados nesta quinta-feira (21) mostram que mais de 70% de 1.014 casos de ofensas, abusos e atos violentos registrados no Estado entre 2012 e 2015 são contra praticantes de religiões de matrizes africanas.
O documento reacende o debate: por que os adeptos da umbanda e do candomblé, e suas variações, ainda são os mais atacados por conta de sua religião? Reportagem da  BBC do Rio de Janeiro questionou especialistas sobre o caso. Para eles, há duas explicações: Por um lado o racismo e a discriminação que remontam à escravidão e que desde o Brasil colônia rotulam tais religiões pelo simples fato de serem de origem africana, e, pelo outro, a ação de alguns movimentos neo-pentecostais que nos últimos anos teriam se valido de mitos e preconceitos para "demonizar" e insuflar a perseguição a umbandistas e candomblecistas.

O intolerante é um ser imprevisível. Pode agredir fisicamente, com palavras, com piadas, com deboche ou ainda silenciosamente, com aquele olhar dos pés à cabeça que só quem recebeu sabe como é. É quase possível ouvir os pensamentos daqueles que nos medem, nos analisam e nos pré-julgam por mero preconceito.

Nunca vi em toda minha vida o mesmo acontecer com um padre trajado com sua batina, uma freira com seu hábito ou ainda um pastor empunhando sua bíblia. Isso, por sí só já justifica pelo menos uma forma mais sensível de analisar a questão. Todos sabemos que a Constituição Federal, Carta Magna do País, em seu artigo 5º nos assegura a liberdade religiosa, mas diferentes dispositivos legais qualificam a intolerância, o preconceito e os atos atrelados a eles como CRIME.

A princípio, a denominada ”Lei Caó” (Lei 7.716/89), proposta pelo ex-vereador, jornalista e advogado Carlos Alberto Caó Oliveira dos Santos veio penalizar apenas os crimes decorrentes de raça ou cor, todavia, o artigo  foi revogado pela lei 9.459/97 que passou a ter nova redação, qual seja:

Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Ninguém pode ser discriminado em razão de credo religioso. O crime é inafiançável. A pena prevista é de um a três anos de prisão e multa. Não podemos nos esquecer, entretanto, de citar a importância da Lei 12.288/2010 (Estatuto da Igualdade Racial) que alterou vários pontos da Lei 7.716/89, isso garantiu ainda mais direitos e proteção à população negra e afro-descendentes.


Quanto à intolerância religiosa podemos dizer que ela se dá da mesma forma que a discriminação racial. Uma mera Crítica não é o mesmo que intolerância. Todos temos o direito à critica, e isso pode se dar também quando o assunto é religião e dogmas de uma religião, desde que seja feito sem desrespeito ou ódio, é assegurado pelas liberdades de opinião e expressão. Mas, no acesso ao trabalho, à escola, à moradia, a órgãos públicos ou privados, não se admite tratamento diferente em função da crença ou religião. Isso também se aplica a transporte público, estabelecimentos comerciais e lugares públicos, como bancos, hospitais e restaurantes.

Há casos em que agressor usa palavras agressivas ao se referir ao grupo religioso atacado e aos elementos, deuses e hábitos da religião. Outras vezes desmoraliza símbolos religiosos, destruindo imagens, roupas e objetos ritualísticos. Em situações extremas, a intolerância religiosa pode incluir violência física e se tornar uma perseguição.

A Lei ampara ainda aumento de pena quando o crime for praticado contra menores em estabelecimentos de ensino, pena de reclusão de três a cinco anos. Se o crime for praticado contra menor de dezoito anos a pena é agravada de 1/3 (um terço).

Art. 6º Recusar, negar ou impedir a inscrição ou ingresso de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau.

O artigo 20 da lei em tese veio aumentar ainda mais a incidência desse crime, haja vista que se trata de um tipo penal aberto, contrariando o princípio da taxatividade penal – decorrência da legalidade (a lei anterior tem que ser clara, certa, restrita)

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

O Código Penal Brasileiro também tem diferentes dispositivos legais que amparam vítimas de intolerância, no capítulo que trata Dos Crimes Contra o Sentimento Religioso.


Escárnio por motivo de religião: O verbo escarnecer se traduz como zombar, troçar, ridicularizar, humilhar, achincalhar. Para que ocorra o crime é imprescindível que o escarnecimento aconteça em local público (publicamente). Caso contrário, o caso também é qualificado como crime, mas de INJÚRIA, que também é qualificada quando praticada por motivo religioso. 

Impedimento ou perturbação de culto religioso: A segunda conduta criminalizada pelo artigo 208 tange ao impedimento ou perturbação de culto religioso. Em linhas doutrinárias, pode-se intuir o impedimento em duas esferas distintas. A primeira está atrelada a evitar que comece, por óbice, dificultar, inibir, tolher, por empecilho, obstar. Já a segunda está associada paralisar a cerimônia já em andamento, não permitir que esta progrida regularmente, interromper.
Ao lado disso, também é tipificada aqui a perturbação como: tumultuar, embaraçar ou atrapalhar cerimônia religiosa, não permitir que os atos religiosos aconteçam de modo normal, agitação. Face ao fato de se tratar de crime de forma livre, essas condutas podem se corporificar mediante vaias, gritos, ruídos ou violência.

Vilipêndio público de ato ou objeto religioso: A terceira modalidade do dispositivo legal diz respeito à conduta de vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso. Entende-se como o verbo vilipendiar, as condutas de aviltar, envilecer, menosprezar, menoscabar, depreciar, desprezar, afrontar, ofender, insultar, ultrajar ato ou objeto religioso. A figura penal em estudo visa, precipuamente, preservar o sentimento religioso, como também a liberdade de culto. Vale destacar que a conduta delituosa exaurida pode ocorrer dentro ou fora do templo religioso, ou ainda em locais fechados. Objeto religioso são todos aqueles que servem para a celebração desses atos, comumente consagrados para a liturgia religiosa, incluídos nesse numerário: altar, púlpito, paramentos, turíbulos, imagens de santos, vestes solenes, crucifixos, etc.

*Pai Lucas é jornalista e Babalorixá, dirigente do terreiro Ilê Iyeiyeo Axé Dambá Odé, em São Bernardo do Campo - SP.