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"Ser de Candomblé não se limita ao fato de ter uma religião, é, sobretudo, um modo de vida".
Pai Lucas de Odé

segunda-feira, 29 de junho de 2015

Candomblé Tradicional - Tempero Tradicional

Por Pai Lucas de Odé*



Muitas pessoas me perguntam se muda muito os preceitos e fundamentos do Ketu para o Efon. Isso é um grande equívoco. Ambas as nações são oriundas do chamado território Iorubá, isso significa que, além do mesmo idioma, temos o mesmo panteão e o mesmo sistema de culto. Imaginem a grande São Paulo como o território Iorubá/Ketu. O Efon seria como o ABC, por exemplo. Está dentro do território Iorubá e inserida naquela cultura. Diferenciou-se como nação porque muitos orixás migraram pra lá em momentos distintos de suas "vidas", onde assimilaram características diferentes, dando origem, portanto, a novas qualidades.

Ogum é um bom exemplo... Em seus primórdios foi ferreito (Efon), depois migrou para Irê, onde consagrou-se como Rei (Onirê/Ketu) e depois de várias outras passagens retornou para Efon, de onde provém mais algumas qualidades desse Orixá, de procedência Efon.

E bobagem justificar diferenças de culto acusando diferença de nação entre Ketu e Efon. O Candomblé tradicional pressupõe as mesmas regras em ambas as nações.

Efon é uma nação rica em preceitos e segredos internos, de onde vem a maioria dos fundamentos que praticamos no quarto de santo, montagem de ibás e outras coisas, mas é pobre em cerimonial, adotando então o "barracão" do Ketu.

Ketu é rico em cerimonial, mas extremamente simplista no que se refere à qualidades, ibás e preceitos internos, logo, bebeu também das águas de Efon.

Nas casas tradicionalmente Ketu é comum o sistema de Ojubó, aqueles ibás coletivos onde se acrescenta uma ferramenta ou pedra para o iniciando. Quem tem ibá individual, diferenciado por qualidade, quem veste o santo com especificidades já tem um pé no Efon e talvez nem saiba.

Dois ritos diferenciam-se de maneira mais significativa de uma nação pra outra: a saída do iyawo e o Etá/Egê. No Efon a saída do Iyawo tem cantigas próprias, que exaltam a nação, tocadas em ritmo de Ijexá e uma "plástica" diferenciada que quem já viu pode atestar. O Etá/Egê tem o mesmo cerimonial nas duas nações, mas difere no conteúdo das folhas que o iniciando carrega.

Além disso, até mesmo as casas tradicionais têm misturas de outras nações. A Muritiba tem uma forte influência de uma nação chamada Tedô. A Casa Branca do Ijexá. o Axé Oxumarê do Jeje e o Opo Afonjá de uma nação chamada Gruncy.

Dito isso, nos apeguemos ao que nos aproxima e não ao que nos diferencia. O Candomblé tradicional não muda de casa pra casa, não admite essa crença de que "cada um tem seu tempero".

*Pai Lucas é Babalorixá do Axé Dambá Odé.

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Segredos velados nas roupas de axé

Por Pai Lucas de Odé*

As roupas no Candomblé falam. Muitos de nós às vezes olhamos para as vestimentas religiosas com tanto costume que não nos damos conta de tanta regra que existe para nos vestirmos. Até roupa de conta tem regra (roupa de conta é o nome correto para a tal "roupa de ração", nome dado pelo pessoal do angola).


Haveria muito pra se falar sobre o assunto, mas apenas para fomentar a discussão vou comentar algumas particularidades das roupas no candomblé:

Homens não usam panos de cabeça. Isso só é permitido apenas no Efon e de uso restrito ao Babalorixá da casa. O Ojá simboliza uma coroa na nação Efon, portanto, o "rei" naquela jurisdição é o Babalorixá e só ele pode usar.

Ekeji não deve usar anágua/saiote/armação em suas saias. Dada a fu
nção que desempenham, precisam locomoção fácil e ágil.

Não se visita uma casa de candomblé usando bata. Esta vestimenta indica autoridade, seu uso é vedado às mulheres com posto na casa de candomblé. Isso quando a casa é dirigida por um Babalorixá, por que se for Iyalorixá aí nem mesmo as mulheres com posto usam. Contudo, as ekejis podem usar bata, uma vez que sua jurisdição não se restringe a uma só casa. Ekeji é Ekeji em qualquer lugar. Os cargos é que são válidos no âmbito da casa onde foram recebidos.

A roupa de conta carrega até ebós no jeito de se montar, para livrar a pessoa do Ajé, por exemplo. Isso sem falar nas diversas mandingas que uma simples saia pode esconder... rs

Em festas, Iyawos não usam Ojá (pano de cabeça). Em formação religiosa, ao longo de sete anos, esses iniciados precisam expor suas cabeças à energia do ambiente, absorver tudo que o permeia para seu crescimento e fortalecimento.

No mesmo contexto, as egbomi, por outro lado, pressupomos que já tenham absorvido energia suficiente, por isso usam os Ojás, afim de concentrar ali seu próprio axé.


*Pai Lucas é Babalorixá do Ilê Iyeiyeo Axé Dambá Odé.

quinta-feira, 4 de junho de 2015

A iniciação no Candomblé: de recipientes vazios a portadores da vida

Por Pai Lucas de Odé*
Hoje queria falar sobre a iniciação no Candomblé. Uma coisa tão complexa e simples ao mesmo tempo.
Todos temos dentro de nós somos um recipiente na cultura africana. Nascemos com uma energia vital e nosso Orí, mas o elemento Orixá está inerte, inativo em nossas vidas até que nos iniciamos. Quando isso acontece, aquela energia Orixá é depositada em nosso interior. Aí passamos a ser uma urna, portadora do sagrado.
Uma vez que esse conteúdo/Orixá é depositado em nós, ele vai se assentando em nosso interior e se expandindo, tomando conta de nós. Após o período "gestacional", quando estamos formados, prontos pra sair do útero (quarto de santo), essa energia viva em nós precisa "vir ao mundo". É aí que o iyawô, assim como uma criança quando nasce, chora. Ali está o orixá, anunciando sua chegada ao mundo, por meio do seu choro, que chamamos de Orukó...

Tudo na iniciação de um iyawô faz menção ao nascimento. O iyawô precisa obrigatoriamente ficar recluso, sem qualquer saidinha do quarto de santo, pois se o "feto" sai do útero antes de estar formado, ele se torna um abordo. Se a criança não chora quando nasce ela morre... e assim se segue o entendimento e as passagens de uma iniciação... não convém falar passo a passo aqui, mas muitas coisas precisam acontecer nos 17 dias que dura a iniciação de um iyawo.
O candomblé é uma receita perfeita, todo rito tem seus porquês. Não podemos inventar e nem suprimir uma das passagens de sua concepção, isso seria pular uma etapa da própria formação do iniciando. Alguém deseja ter filhos mal formados, nascidos de seu ventre? Não! Ninguém deseja isso, portanto também não podemos por descaso ou comodismo fazer filhos mal formados espiritualmente.
*Pai Lucas é Babalorixá do Ilê Iyeiyeo Axé Dambá Odé