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"Ser de Candomblé não se limita ao fato de ter uma religião, é, sobretudo, um modo de vida".
Pai Lucas de Odé

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Intolerância Religiosa: Estamos seguros?

Por Pai Lucas de Odé*, com informações da BBC e do portal JusBrasil

Em 2007, por força de Lei (11.635), foi instituído o dia 21 de janeiro como data de combate à intolerância religiosa. Infelizmente, a data só existe porque diariamente centenas de praticantes de religiões de matriz africana são bombardeados com atos de intolerância religiosa.

Dados compilados pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio de Janeiro (CCIR), divulgados nesta quinta-feira (21) mostram que mais de 70% de 1.014 casos de ofensas, abusos e atos violentos registrados no Estado entre 2012 e 2015 são contra praticantes de religiões de matrizes africanas.
O documento reacende o debate: por que os adeptos da umbanda e do candomblé, e suas variações, ainda são os mais atacados por conta de sua religião? Reportagem da  BBC do Rio de Janeiro questionou especialistas sobre o caso. Para eles, há duas explicações: Por um lado o racismo e a discriminação que remontam à escravidão e que desde o Brasil colônia rotulam tais religiões pelo simples fato de serem de origem africana, e, pelo outro, a ação de alguns movimentos neo-pentecostais que nos últimos anos teriam se valido de mitos e preconceitos para "demonizar" e insuflar a perseguição a umbandistas e candomblecistas.

O intolerante é um ser imprevisível. Pode agredir fisicamente, com palavras, com piadas, com deboche ou ainda silenciosamente, com aquele olhar dos pés à cabeça que só quem recebeu sabe como é. É quase possível ouvir os pensamentos daqueles que nos medem, nos analisam e nos pré-julgam por mero preconceito.

Nunca vi em toda minha vida o mesmo acontecer com um padre trajado com sua batina, uma freira com seu hábito ou ainda um pastor empunhando sua bíblia. Isso, por sí só já justifica pelo menos uma forma mais sensível de analisar a questão. Todos sabemos que a Constituição Federal, Carta Magna do País, em seu artigo 5º nos assegura a liberdade religiosa, mas diferentes dispositivos legais qualificam a intolerância, o preconceito e os atos atrelados a eles como CRIME.

A princípio, a denominada ”Lei Caó” (Lei 7.716/89), proposta pelo ex-vereador, jornalista e advogado Carlos Alberto Caó Oliveira dos Santos veio penalizar apenas os crimes decorrentes de raça ou cor, todavia, o artigo  foi revogado pela lei 9.459/97 que passou a ter nova redação, qual seja:

Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Ninguém pode ser discriminado em razão de credo religioso. O crime é inafiançável. A pena prevista é de um a três anos de prisão e multa. Não podemos nos esquecer, entretanto, de citar a importância da Lei 12.288/2010 (Estatuto da Igualdade Racial) que alterou vários pontos da Lei 7.716/89, isso garantiu ainda mais direitos e proteção à população negra e afro-descendentes.


Quanto à intolerância religiosa podemos dizer que ela se dá da mesma forma que a discriminação racial. Uma mera Crítica não é o mesmo que intolerância. Todos temos o direito à critica, e isso pode se dar também quando o assunto é religião e dogmas de uma religião, desde que seja feito sem desrespeito ou ódio, é assegurado pelas liberdades de opinião e expressão. Mas, no acesso ao trabalho, à escola, à moradia, a órgãos públicos ou privados, não se admite tratamento diferente em função da crença ou religião. Isso também se aplica a transporte público, estabelecimentos comerciais e lugares públicos, como bancos, hospitais e restaurantes.

Há casos em que agressor usa palavras agressivas ao se referir ao grupo religioso atacado e aos elementos, deuses e hábitos da religião. Outras vezes desmoraliza símbolos religiosos, destruindo imagens, roupas e objetos ritualísticos. Em situações extremas, a intolerância religiosa pode incluir violência física e se tornar uma perseguição.

A Lei ampara ainda aumento de pena quando o crime for praticado contra menores em estabelecimentos de ensino, pena de reclusão de três a cinco anos. Se o crime for praticado contra menor de dezoito anos a pena é agravada de 1/3 (um terço).

Art. 6º Recusar, negar ou impedir a inscrição ou ingresso de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau.

O artigo 20 da lei em tese veio aumentar ainda mais a incidência desse crime, haja vista que se trata de um tipo penal aberto, contrariando o princípio da taxatividade penal – decorrência da legalidade (a lei anterior tem que ser clara, certa, restrita)

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

O Código Penal Brasileiro também tem diferentes dispositivos legais que amparam vítimas de intolerância, no capítulo que trata Dos Crimes Contra o Sentimento Religioso.


Escárnio por motivo de religião: O verbo escarnecer se traduz como zombar, troçar, ridicularizar, humilhar, achincalhar. Para que ocorra o crime é imprescindível que o escarnecimento aconteça em local público (publicamente). Caso contrário, o caso também é qualificado como crime, mas de INJÚRIA, que também é qualificada quando praticada por motivo religioso. 

Impedimento ou perturbação de culto religioso: A segunda conduta criminalizada pelo artigo 208 tange ao impedimento ou perturbação de culto religioso. Em linhas doutrinárias, pode-se intuir o impedimento em duas esferas distintas. A primeira está atrelada a evitar que comece, por óbice, dificultar, inibir, tolher, por empecilho, obstar. Já a segunda está associada paralisar a cerimônia já em andamento, não permitir que esta progrida regularmente, interromper.
Ao lado disso, também é tipificada aqui a perturbação como: tumultuar, embaraçar ou atrapalhar cerimônia religiosa, não permitir que os atos religiosos aconteçam de modo normal, agitação. Face ao fato de se tratar de crime de forma livre, essas condutas podem se corporificar mediante vaias, gritos, ruídos ou violência.

Vilipêndio público de ato ou objeto religioso: A terceira modalidade do dispositivo legal diz respeito à conduta de vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso. Entende-se como o verbo vilipendiar, as condutas de aviltar, envilecer, menosprezar, menoscabar, depreciar, desprezar, afrontar, ofender, insultar, ultrajar ato ou objeto religioso. A figura penal em estudo visa, precipuamente, preservar o sentimento religioso, como também a liberdade de culto. Vale destacar que a conduta delituosa exaurida pode ocorrer dentro ou fora do templo religioso, ou ainda em locais fechados. Objeto religioso são todos aqueles que servem para a celebração desses atos, comumente consagrados para a liturgia religiosa, incluídos nesse numerário: altar, púlpito, paramentos, turíbulos, imagens de santos, vestes solenes, crucifixos, etc.

*Pai Lucas é jornalista e Babalorixá, dirigente do terreiro Ilê Iyeiyeo Axé Dambá Odé, em São Bernardo do Campo - SP.

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