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"Ser de Candomblé não se limita ao fato de ter uma religião, é, sobretudo, um modo de vida".
Pai Lucas de Odé

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Rezando Alto, religiosos lembram a Quebra do Xangô alagoano em 1912

Foto: Reprodução/Ministério da Cultura
Há 104 anos, mais precisamente no dia 2 de fevereiro de 1912, ocorria uma das maiores atrocidades já
cometidas contra os partícipes de religiões de matriz africana no país. O Quebra de Xangô, ou Quebra de 1912, ocorreu na cidade de Maceió e foi motivada por uma disputa política da época.

Euclides Malta, na época há 12 anos como governador de Alagoas, era muito próximo às casas de axé, apesar de católico. A oposição, à época, liderada por Clodoaldo da Fonseca e Fernandes Lima, afirmava que Euclides se mantinha no poder por causa de “feitiçarias” dos xangôs alagoanos.

As ações para destruir as casas de axé foram extremamente brutais. Segundo o livro “Kulé Kulé - Religiões Afro-Brasileiras”, organizado por Bruno César Cavalcanti, Clara Suassuna Fernandes, Rachel Rocha de Almeida Barros, os terreiros foram invadidos, objetos sagrados foram queimados em praça pública e pais e mães de santo foram espancados publicamente.

Todo o movimento contra as religiões de matriz africana teve o apoio da imprensa oposicionista, segundo historiadores, notadamente o extinto Jornal de Alagoas. O impresso utilizava-se de termos chulos e, na série de reportagens intituladas “Bruxarias”, publicada nos dias subsequentes ao Quebra de 1912, a Mãe de Santo Tia Marcelina era tratada como a “feiticeira” preferida de Euclides Malta.

Naquele dia, babalorixás e yalorixás tiveram seus terreiros invadidos por uma milícia armada denominada Liga dos Republicanos Combatentes, seguida por uma multidão enfurecida, e assistiram à retirada, à força, dos templos de seus paramentos e objetos de culto sagrados, que foram expostos e queimados em praça pública, numa demonstração de preconceito e intolerância religiosa para com as manifestações culturais de matriz africana.

Tia Marcelina, de acordo com relatos de historiadores, resistiu aos ataques e foi golpeada com um sabre na cabeça, vindo a falecer meses depois. Toda essa violência mudou a forma de cultuar os Orixás, surgindo o Xangô Rezado Baixo. A agressão à Tia Marcelina, e aos demais terreiros, foi materializada pela Liga dos Republicanos Combatentes.

Esse evento, que intimidou o povo de santo e suas práticas nas décadas subsequentes proporcionou o surgimento de uma manifestação religiosa intimidada, denominada Xangô Rezado Baixo, uma modalidade de culto praticada em segredo, alimentada pelo medo, sem o uso de atabaques, e animada apenas por palmas.

Para lembrar o Quebra de Xangô, ocorrido em 1912, dezenas de casas de axé se reuniram na tarde de ontem, na Praça dos Martírios, Centro de Maceió. O intuito do evento, iniciativa da Universidade Estadual de Alagoas (Uneal), Fundação Municipal de Ação Cultural (FMAC) e da Rede Alagoana de Comunidades Tradicionais de Terreiro, é combater a intolerância contra as religiões de matriz africana. O nome do projeto que realiza o encontro dos grupos é Xangô Rezado Alto.

Pai Célio, da Casa de Iemanjá, destaca que o evento é um marco importante para desperta a consciência das pessoas sobre o preconceito que as religiões de matriz africana vêm sofrendo ao longo do tempo em Alagoas.

“Sempre tivemos problemas para celebrar nossos cultos. O Quebra de 1912 foi um dos marcos principais de intolerância contra nós, mas hoje ainda sofremos com isso. São desde pastores, principalmente os neopentecostais, com seus canais de televisão e policiais militares evangélicos que invadem nossas casas de axé e destroem tudo. Pelo menos essa violência nos possibilitou a criação de promotoria específica para tratar do assunto e toda a agressão que sofremos, nós denunciamos”, diz Pai Célio.

Foto: Adailson Calheiros/Tribuna Hoje
Para o líder religioso, que também é historiador, lembrar o Quebra de 1912 serve para mostrar que as religiões de matriz africana não são “oba oba” e que a tolerância religiosa é possível de ser construída no estado. Ele também destacou o pedido de desculpas feito pelo Estado, na gestão de Teotônio Vilela (PSDB), pelo ocorrido no início do século 20.

“Foi um gesto importantíssimo. O Estado reconheceu seu erro e a forma extremamente arbitrária com que destruiu dezenas de casas de axé por causa de rixa política entre o governador e a oposição da época”, comenta Pai Célio.

O pedido de desculpas ocorreu em 2012, ano do centenário do Quebra de 1912. Na ocasião, Mãe Neide, que representou as religiões de matriz africana durante a cerimônia, passou em revista às tropas da Polícia Militar de Alagoas.

O presidente da FMAC, Vinícius Palmeira, compareceu à Praça dos Martírios. Ele destacou que a data é um fato histórico importante para Alagoas e por isso merece ser sempre lembrada.

“Tiveram outros Quebras, mas esse de 1912 possui características únicas. Ele derrubou governo, teve motivação política sem o envolvimento direto das religiões afro e mostrou bem a hipocrisia alagoana. O Quebra de 1912 foi realizado como se a ação fosse um bloco de Carnaval. Os policiais iam destruindo tudo, na medida em que o bloco ia passando pelas ruas do Centro de Maceió que na época devia ter em torno de 50 casas de axé”, conta Vinícius.

Além disso, o presidente da FMAC pontua que até hoje, é negado aos negros seu lugar na História alagoana. Para ele, é preciso defender e fortalecer a cultura negra em Maceió. “Somos uma cidade racista”.

UNEAL

Quem também se fez presente ao local foi Jairo Campos, reitor da Uneal. Ele ressaltou o papel da Instituição que dirige ao se colocar ao lado das minorias em Alagoas. Segundo ele, é preciso fortalecer o debate de liberdade de credo.

“Fala-se tanto em Zumbi aqui em Alagoas, mas nega-se a negligência ao povo negro no estado. Manter o debate sobre a liberdade religiosa aberto é a melhor forma de conseguir o respeito que a cultura negra tem de ter. E a universidade tem papel importante nesse diálogo”, comenta Jairo.

Ele também destacou relação da imagem de Alagoas com a de Zumbi, e que isso dá ainda mais responsabilidade para pôr fim à intolerância religiosa no estado. “A Serra da Barriga tem um significado, que a elite branca nega”.

Participantes reforçam construção

O arquiteto Daniel Toledo e a chef de cozinha Rídina Mota são integrantes de um dos grupos que se apresentou na tarde de ontem. Membros do Coletivo Afrocaeté, eles participam desde a primeira edição do evento, realizado em 2012.

“Para nós estar aqui e lembrar a atrocidade ocorrida em 1912 e o pedido oficial de desculpas do Estado é muito importante. Reforçar a necessidade da construção da tolerância religiosa e mostrar para as pessoas a beleza de nossas celebrações também é algo que nos motiva bastante”, comenta Rídina Motta.

Já Daniel ressaltou que há apenas duas datas em que as casas de axé se reúnem em locais públicos: o dia 8 de dezembro, que celebra o Dia de Iemanjá e o 2 de fevereiro, que lembra o Quebra de 1912.

“Temos aqui casas de vários locais de Alagoas. Isso é raro e aumenta a importância desse evento. Neste ano não tivemos o cortejo pelas ruas do Centro, acho que por causa da chuva, mas mesmo assim vem muita gente nos ver aqui”, diz Daniel.

Para eles, o ideal seria que o evento fosse realizado mais cedo e durante todo o dia. Porém, eles entendem não ser possível, num dia útil, fazer a lembrança ao Quebra dessa maneira. “Realmente, seria bem melhor. Teríamos o dia todo e cada grupo poderia se apresentar com mais tempo. Mas como faríamos isso se as pessoas estão trabalhando?”, argumenta Rídina.

Com informações do jornal Tribuna Hoje

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