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"Ser de Candomblé não se limita ao fato de ter uma religião, é, sobretudo, um modo de vida".
Pai Lucas de Odé

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

INCONSTITUCIONAL: Manifesto sobre a proibição da imolação de animais em cultos religiosos



Pai Lucas de Odé

Vereadores do município de Valinhos, interior de São Paulo, aprovaram por unanimidade, no último dia dois de fevereiro um projeto de lei que proíbe o que chamaram de  “sacrifício e mutilação de animais em rituais religiosos”. A propositura foi do vereador César Rocha (Rede).

Vereador César Rocha (Rede), autor do projeto inconstitucional
Na justificativa do projeto, o vereador alega que a Constituição Federal não permite a adoção de práticas
que submetem os animais à crueldade. Ele também destaca lei federal que caracteriza como crime a prática de maus tratos e de abusos contra os animais.

O que surpreende é que tal projeto tenha passado pela Comissão de Justiça e Redação daquela Casa de Leis, presidida pelo vereador Paulo Montero (PSDB), mesmo com um parecer contrário. A Comissão tem como membros os parlamentares Giba (PDT), Israel Scupenaro (PMDB), Kiko Beloni (PSDB) e Veiga (DEM).

Vereador Paulo Montero (PSDB), presidente da Comissão de Justiça,
que não apontou a inconstitucionalidade do projeto
Não precisa ser jurista para entender que nenhum dispositivo legal pode disciplinar uma prática religiosa, o que torna qualquer propositura nesse sentido inconstitucional. O autor do projeto se antecipou aos questionamentos sobre a constitucionalidade da matéria:

“É garantia constitucional a liberdade religiosa, de culto e de fé, desde que esta liberdade não restrinja a liberdade de outrem, ou seja, que não configure ato volitivo, premeditado e ritualizado de privar um ser vivo de seu bem mais essencial, que é a vida” 

César disse ainda que o projeto deve ser copiado por outros municípios. Ora! O próprio vereador diz que a Constituição assegura a liberdade religiosa e que essa liberdade não pode restringir a liberdade de outrem, mas o Projeto de Lei restringe diretamente a prática religiosa das religiões de matriz africana, que têm como conceito básico as imolações e comunhão no âmbito das comunidades de terreiro.

A Constituição não menciona e nem compete a Ela mencionar o que compreende a liberdade religiosa de diferentes segmentos religiosos. Contudo, se um dispositivo religioso me impede de praticar a minha religião, até que ponto a norma constitucional está sendo respeitada? Essa deveria ser a preocupação dos nobres pares, especialmente da Comissão de Justiça daquela Casa.

Vereador Israel Scupenaro (PMDB), a palmatória do mundo
O vereador Israel Scupenaro (PMDB) também foi favorável à proposta. “Não tem porque utilizar animais
nesses rituais”, disse o parlamentar. Não tem porque? O nobre legislador seria também um conhecedor de uma tradição milenar a ponto de dizer o que compete ou não a ela?

O vereador Rodrigo Fagnani, o “Popó” (PSDB) ressaltou que a liberdade de culto não estava em debate. “Nós não estamos debatendo a religião, mas sim o sentido da vida. Valinhos tem de dar o exemplo, sair na frente”, discursou.

Vereador Rodrigo Fagnani, o “Popó” (PSDB),
o exemplo de desrespeito à liberdade de culto
De fato, não se trata de debater religião, motivo suficiente pelo qual não compete a qualquer representante político restringir o direito de livre crença e prática religiosa. Quer dizer que podemos crer, mas não cultuar? A Constituição é clara no que se refere à liberdade de crença e culto e, nesse contexto, a minha liberdade de culto está comprometida pela nova Lei. Quisera eu vereador que Valinhos desse o exemplo de respeito à fé alheia.

Caso o projeto vire lei, quem desrespeitar a legislação estará sujeito à multa no valor de 20 Unidades Fiscais do Município, o que equivale atualmente a R$ 3.022,60. A fiscalização será de responsabilidade da Prefeitura.

Prefeito de Valinhos, Clayton Machado (PSDB)
pode sancionar ou vetar  a proposta
A proposta segue agora para sanção ou veto do prefeito Clayton Machado (PSDB), que esperamos ser
mais sensato do que os vereadores do município. O alerta para a sociedade é que se esse lei for sancionada, teremos um precedente jurídico que cerceará a liberdade de culto em outros municípios. Já aconteceu em Embu Guaçu e pode se espalhar pelo Brasil inteiro. No caso de Valinhos, participaram da defesa do projeto ativistas de Campinas, Vinhedo, Sāo Roque e Sāo Paulo.

Há alguns dias conversei com o advogado Melillo, de Brasília, que também é Ogan no Candomblé. Pensei que talvez fosse o caso de ingressar na Justiça com uma ação coletiva pela inconstitucionalidade de qualquer matéria que discipline uma prática religiosa, mas ele me explicou que "uma ação como está tem que se referir a caso concreto e não geral. Alem disso, os parlamentos estaduais e municipais têm o poder de tentar legislar sobre qualquer assunto, mesmo que seja uma tolice como esta ou a revogarão da lei  da gravidade".

Então o que podemos fazer? De acordo com o Ogan Melillo, "a Constituição da República garante a liberdade religiosa como direito e garantia fundamental, positivando o princípio em seu Art. 5º, inciso VI. O texto constitucional também protege a manifestação da cultura afro-brasileira, indígena e popular no Art. 215 §1º. Por outro lado, a Carta Magna protege a fauna e a flora vedando às práticas que submetam os animais a crueldade (art. 225 §1,VII). Estamos diante de um caso de colisão de princípios, deve-se então desenvolver o tema, ponderando os valores colidentes, para saber qual dos princípios devera preponderar", explicou.

O que isso significa é que a própria Constituição se confronta. A política de defesa dos direitos animais fundamenta-se no art. 225, § 1º, VII, da Constituição Federal, que garante a proteção à fauna, sendo vedadas quaisquer práticas que submetam os animais a crueldade. E cita ainda a Lei Federal de Crimes Ambientais (Lei nº 9605/1998) em seu artigo 32 prevê que a prática de maus tratos, abusos, como ferir ou mutilar animais configura prática de crime. Fosse levado o conceito ao pé da letra, seríamos uma nação vegana.

Nesse caso, ainda de acordo com o Ogan e advogado, "diante do fato de  que há garantia constitucional às práticas religiosas, a delicadeza, já enfrentada pelos tribunais, é definir se há ou não crueldade nos rituais de nossas tradições. Há várias outras questões relativas à inconstitucionalidade de legislações assim. Os estados e os municípios não poderem legislar sobre este tema é o principal. Depois, em alguns casos há vício de iniciativa...".

Há poucos dias falamos aqui no Blog de uma outra proposta absurda que visa isentar líderes religiosos (leia-se pastores) dos crimes de injúria e difamação. Estão tentando promover um cerceamento jurídico da nossa religião, precisamos reagir.

Somos uma sociedade de contrassensos. Será proibido o consumo de peixes, perus, porcos, tender, chester abatidos nas dependências das instituições religiosas, nas ceias de Natal e Semana Santa? E os produtos derivados do sacrifício animal como patês, hambúrgueres, ovos e derivados de leite? E a utilização  de animais em testes para produtos diversos? Toda sociedade será obrigada a aderir ao vegetarianismo? A morte de animais em frigoríficos respeita a vida? Um boi esquartejado não é mutilação?

Ogan Melillo dividiu comigo um caso de jurisprudência do Rio Grande do Sul, onde o debate foi a fundo. "Vencemos nos tribunais inferiores mas há ainda pendência de julgamento no Superior Tribunal Federal", contou.


CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA. SACRIFÍCIO RITUAL DE ANIMAIS.CONSTITUCIONALIDADE.1. Não é inconstitucional a Lei 12.131/04-RS, que introduziu parágrafo único ao art. 2.° da Lei 11.915/03-RS, explicitando que não infringe ao “Código Estadual de Proteção aos Animais” o sacrifício ritual em cultos e liturgias das religiões de matriz africana, desde que sem excessos ou crueldade. Na verdade, não há norma que proíba a morte de animais, e, de toda sorte, no caso a liberdade de culto permitiria a prática.2. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. VOTOS VENCIDOS

O Candomblé não mata animais. Imolamos para comer, para alimentar a nossa família com algo que consideramos sagrado. Nossos animais não são maltratados, mutilados. São tratados com respeito pois representam a nossa hóstia, a comunhão com os nossos Deuses. Proíbam os católicos de comungarem. Eles acreditam que é o corpo de Cristo. É canibalismo.

O problema na verdade é um só: Somos uma religião marginal, de pretos, pobres, descendentes de escravos, sem vez, mas ainda temos voz!

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